O impacto da luz em animais estabulados

03 setembro 2021
-
2 minutos

No caso dos ruminantes em confinamento, particularmente nas vacas de leite, nem sempre existe a consciência da importância da luz nos resultados técnicos e económicos das explorações. Mais recentemente, e a reboque do bem-estar animal nas explorações leiteiras, o tema da iluminação artificial e natural ganhou um novo destaque. Este artigo foi publicado na Revista Ruminantes #42 | jul. ago. set. 2021

Na avicultura, a importância da luz é reconhecida. O fotoperíodo é alvo de inúmeros estudos e a iluminação artificial é projetada ao pormenor dentro dos pavilhões. Mas no caso dos ruminantes em confinamento, particularmente nas vacas de leite, nem sempre existe a consciência da importância da luz nos resultados técnicos e económicos das explorações.

Embora os primeiros trabalhos sobre o efeito da luz na produção e reprodução de bovinos tenham surgido na década de 70 do século passado, o estudo deste tema em ruminantes tem focado sobretudo os bovinos em pastoreio e, portanto, ao ar livre. Mesmo nestas condições, as espécies ovina e equina são consideradas mais sensíveis ao efeito do fotoperíodo sazonal do que os bovinos (Gregory, J., 2009). Mais recentemente, e a reboque do bem-estar animal nas explorações leiteiras, o tema da iluminação artificial e natural ganhou um novo destaque que procuramos resumir neste artigo.

Valores de 20 Lumens significam, na prática, desconforto e insegurança para a espécie bovina.


CARACTERÍSTICAS DA LUMINOSIDADE A TER EM CONTA
- Intensidade: medida em Lux ou fc no
sistema inglês (1 fc equivale a 10,76 Lux)
- Duração: medida em horas de luz por dia,
sazonalidade
-  Índice de aproximação ao branco: medido
em CRI
-  Eficiência: em lúmens/Watt (a intensidade
da luz relativa ao tamanho da lâmpada)


A intensidade da luz, “Lux”, representa os lúmens/m2;
O método para medição de lúmens ANSI é definido pelo documento IT7.215, de 1992 da American National Standards Institute e é reconhecido internacionalmente como o método de cálculo do brilho incidente a partir de uma fonte luminosa.
Quando dizemos que um determinado local possui 150 lux de incidência luminosa, significa que nesse local estão incidindo 150 lúmens/m2.
A duração da luz dentro dos pavilhões deve aproximar-se o mais possível das 16 horas. Deve-se reservar nos locais de descanso o mínimo de 6 horas de luz, a uma intensidade não maior do que 100 lux, (Gregory, 2009). Outros autores consideram necessário até 8 horas de escuridão (para a vaca leiteira podemos considerar menos de 20 lux), em alternância com as 16 horas diurnas durante toda a fase produtiva da vaca. O contrário seria necessário durante a fase seca.

ESQUEMA 1 DURAÇÃO DA LUZ DENTRO DOS PAVILHÕES



EFEITO DA LUMINOSIDADE SOBRE A PRODUÇÃO

O efeito das estações do ano em sistemas extensivos de produção de carne está há muito demonstrado, ainda que o mesmo efeito sobre a produção de leite se possa atribuir em grande parte às variações na quantidade e qualidade da forragem disponível (2009, Gregory). Já os resultados de Martin J. A., 2006, sugerem que parte da diminuição no volume e na qualidade do leite ao longo do ano, nos sistemas lácteos da Nova Zelândia, se deve a mudanças no fotoperíodo. Além do efeito na produção da hormona IGF-I, indutora da proliferação celular ao nível da glândula mamária, o aumento das concentrações de melatonina plasmática vem associado com a diminuição das concentrações de prolactina plasmática.

No caso específico de vacas de leite confinadas, Richard, 2007, da Universidade de South Dakota e outros autores não encontram nenhum benefício na produção de leite por via da suplementação de luz artificial durante as 24 horas do dia.

Os mesmos autores admitem, no entanto, que a duração de 16 a 18 horas de luz intercalada com 6 horas de escuridão contínua, favorece e estimula a ingestão dos animais em confinamento.

Já em 2014, Zerbidelli, 2014, encontrou o melhor efeito sobre a produção de leite, recorrendo à suplementação da luz natural com
luz artificial em vacas leiteiras, até submeter os animais em confinamento a 150 Lux por um período de 16 horas ao dia. Neste estudo, curiosamente, a partir de 500 lux, o efeito da luz sobre a produção de leite é limitado, fazendo o autor concluir que “por motivos económicos” se recomenda que a soma da suplementação artificial e natural se mantenha nos 150 lux. Na prática, os operadores comerciais recomendam a instalação de sistemas de controlo de luminosidade que conseguem 16 horas de luz entre os 150 e 200 lux. Aproveitando o facto de as vacas não definirem a luz vermelha, alguns sistemas mais modernos instalam uma luz de transição vermelha entre o período diurno e noturno, o que possibilita os trabalhos dentro do pavilhão, proporcionando às vacas o conforto da luz decrescente no final do dia.


GRÁFICO 1 EFEITO DA SUPLEMENTAÇÃO DE LUZ NATURAL COM ARTIFICIAL (ZERBIDELLI, 2014)



EFEITO DA LUMINOSIDADE SOBRE O BEM-ESTAR

Os bovinos têm uma visão periférica ampla, mas uma definição de cores limitada entre o espectro verde e o azul, o que faz com que tenham uma menor definição de cores e de profundidade. Por isso, são receosos em espaços fechados e bloqueiam frequentemente quando submetidos a variações bruscas de luminosidade.
Falar de bem-estar na exploração é falar de tranquilidade e calma no ambiente onde os animais repousam, visibilidade na área de alimentação e segurança nas áreas por onde se deslocam. No caso das explorações leiteiras, assume particular importância a ausência de stress nas salas de ordenha e a segurança e conforto dos ordenhadores. O índice de aproximação ao branco (CRI) deve ser maior do que 80 na ordenha e próximo de 100 em todos os lugares onde é necessário contrastar as cores, como por exemplo nas salas de intervenção veterinária. No caso das ordenhas robotizadas, nas passagens, degraus e esquinas, é fundamental reduzir ao máximo as zonas de contraste luz e sombra porque estas provocam receio aos animais durante o seu acesso à ordenha automática.


MEDIÇÕES FEITAS EM PORTUGAL

Foram avaliados 32 lotes de vacas de leite, distribuídos por 26 explorações na área geográfica compreendida entre Vizela e Montemor-o-Velho, o que corresponde à latitude média N 40.837119. Fizeram-se medições da intensidade da luz (lúmens) e altura (m) do telhado.
As medições foram efetuadas em 3 pontos da manjedoura à altura da cabeça dos animais, em explorações de 2 ordenhas diárias, entre as 16 e as 17 horas da tarde, entre o dia 15 e 30 do mês de maio de 2021. Foram utilizados os dados do último contraste anual publicado para estabelecer a correlação entre as variáveis: intensidade da luz, produção e intervalo entre partos. Independentemente das correlações entre as variáveis, dividiram-se as medições por lotes de animais: entre os que apresentaram alguma medição abaixo de 150 lux, e os outros onde a intensidade da lux foi sempre acima dos 150 lux (Gráfico 2).



Quando agrupámos os lotes por existência, ou não, de alguma medição menor que 150 lux, obtivemos os resultados apresentados na tabela apresentada a seguir.


CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

As performances produtivas e reprodutivas são multifatoriais e não podem ser explicadas somente pela intensidade ou duração da luz dentro dos pavilhões. No entanto, o estudo aponta para a necessidade de tomar consciência dos efeitos positivos da uniformidade da luz dentro dos pavilhões.
Com base nos vários autores consultados, e nas medições feitas nas explorações em Portugal, podemos fazer as recomendações constantes na tabela abaixo.


Por ser um tema recente, não há consenso sobre a influência da luz na produção de leite por bovinos em confinamento. Atendendo aos benefícios no bem-estar, fertilidade e atividade recomendamos o controlo da quantidade e uniformidade da luz dentro dos pavilhões.