Testemunho de José Guilherme

07 out. 2025

Em setembro de 2022, visitámos a exploração de ovinos Monte Vale de Faia, em Serpa, onde está integrada a Queijaria Guilherme, e entrevistou o seu proprietário e gerente, José Guilherme. Três anos depois, em junho passado, regressámos para conhecer a evolução do projeto, os desafios superados e os planos traçados para o futuro.

José Guilherme
Queijaria Guilherme, Monte Vale de Faia

Queijo Serpa DOP: Tradição com precisão

O Monte Vale de Faia, com um efetivo atual de 1.200 ovinos — dos quais 600 em ordenha —, conta com um moderno pavilhão semi-controlado, equipado com cortinas automáticas que regulam a temperatura e a ventilação de forma eficiente. A sala de ordenha, da marca GEA, dispõe de um sistema de gestão automatizada que integra a identificação eletrónica dos animais, o controlo da produção leiteira e a monitorização do estado de saúde do rebanho. 

Esta exploração foi uma das primeiras do setor a obter a certificação Welfair™ em bem-estar animal, refletindo o seu compromisso com práticas responsáveis e sustentáveis.

A Queijaria Guilherme, que transforma o leite produzido, está certificada pela norma IFS.

Maior efectivo, mais leite, novas parcerias

Nos últimos três anos, o efetivo leiteiro da exploração passou de 700 para 1.200 cabeças. O objetivo é continuar a crescer, diz José Guilherme, porém, de forma mais criteriosa: “Estamos agora apurando a genética para que o rebanho fique o mais produtor possível em qualidade e quantidade.” O aumento do efetivo foi feito a partir de animais da própria exploração, pelo que, num futuro próximo, planeiam inseminar com sémen externo para fazer o melhoramento.

A produção de leite também aumentou de 200 mil litros em 2022, para 300 mil litros em 2024. “Este ano, prevemos um crescimento na ordem dos 20%. O nosso objetivo principal é passar de 1000 l/dia para 1000 a 1400 l/dia, o ano inteiro, sem variações ao longo do ano”, conclui.

Mais lotes, de menor dimensão

Relativamente ao maneio reprodutivo, continuam com três partos em dois anos, mas introduziram mais lotes, por forma a terem partos de 5 em 5 semanas, de grupos mais pequenos. Dessa forma, como refere João Barreto, responsável da exploração, “consegue-se também ter uma melhor afinação dos borregos, portanto, uma melhor parição e assistência ao parto, assim como aos borregos no pós-parto. Para além de que a estabilidade da produção de leite também traz mais constância à produção”, conclui.

Uma formulação alimentar adaptada às necessidades do rebanho

Dada a importância da qualidade do leite produzido para o resultado do produto final, o sistema alimentar da exploração passou a ter, desde 2022, a assessoria da empresa De Heus. “Precisávamos de garantir uma formulação adaptada às necessidades do rebanho”, diz J. Guilherme.
O arraçoamento é feito de acordo com os lotes estabelecidos, segundo as necessidades nutricionais, e inclui vários tipos de ração, como explicou Sérgio Henriques, da De Heus: uma ração de produção, uma ração própria para as ovelhas em pré-parto e outra para a recria. E ainda rações de iniciação para os borregos mais jovens.

“A prioridade da nossa exploração — explica — é maximizar a saúde dos animais e a qualidade do leite. Já a produção, mantém-se praticamente idêntica relativamente há 3 anos (1,7 litros de média diária/animal) — até porque, há três anos, tínhamos animais mais jovens. Hoje, a qualidade do leite beneficia não só de uma alimentação bem equilibrada, como também da forma como organizamos os lotes de animais. Trabalhamos com lotes em diferentes fases de lactação. Esta diversidade permite-nos obter um leite mais equilibrado."

Principais desafios superados

“Equilibrar a nutrição com as necessidades dos animais foi um desafio que consideramos superado neste momento" diz J. Guilherme, quando lhe perguntamos acerca dos reptos deste projeto. Por outro lado, — continua —, conseguimos reunir uma boa equipa, reforçada com a entrada do João Barreto como responsável pela exploração. Portanto, temos todas as condições que nos permitem aumentar a produção própria, ter um bom leite e um funcionamento prestável para a queijaria.” Desde 2022, a exploração investiu num pavilhão para o armazenamento de forragens, em silos para o concentrado e numa balança. Ficou também concluída a sala dos borregos, o que já se refletiu numa diminuição das taxas de mortalidade.

Sérgio Henriques (Assistente Técnico de Ruminantes Área Sul na De Heus), José Guilherme (proprietário e gerente da Queijaria Guilherme e da Vale de Faia Agropecuária ) e João Barreto (responsável pela exploração)

O sistema de ordenha e o programa Dairy Plan

A empresa GEA continua a garantir a manutenção da sala de ordenha da exploração e o acompanhamento do programa Dairy Plan. Como explica João Barreto, a quem cabe a gestão desta área, “a exploração está toda informatizada, o que nos permite dispor de todos os dados dos animais, facilitando a seleção e a criação dos lotes. O Dairy Plan fornece todo o tipo de dados sobre o rebanho e sobre cada animal, nomeadamente, a produção de leite, a condutividade do leite, os dias de lactação das ovelhas, entre muitos outros, ajudando-me na gestão do efetivo. Selecionamos as malatas e as futuras reprodutoras em função da produção aos 150 dias de lactação. Tentamos reter animais que estejam a produzir acima dos 250 a 300 litros. Apertamos um bocadinho a malha porque, como referimos atrás, queremos crescer, mas com consistência." Diariamente, J. Barreto verifica as médias de produção e analisa as variações: com o verão, vamos começar a notar uma ligeira quebra, mas não muito acentuada, porque temos o pavilhão climatizado.

A informação relativa à parte reprodutiva é introduzida manualmente no Dairy Plan. Todo o processo reprodutivo é feito através de sincronização.

Bem-estar animal, melhorias à vista

Quando questionado sobre as medidas implementadas nos últimos três anos no âmbito do bem-estar animal, J. Guilherme explicou que, para além das práticas já existentes, foi dado seguimento a um processo contínuo de melhoria. Estas ações refletiram-se num aumento da produtividade, na redução do número de animais refugados e, sobretudo, na diminuição da mortalidade, tanto nos borregos como nas ovelhas adultas. Disse também que essa melhoria foi conseguida graças a um equilíbrio entre bem-estar animal, nutrição e alimentação. Referiu que as mudanças foram especialmente evidentes na fase das parições e no período pré-parto, permitindo uma redução das perdas e um maior equilíbrio nos partos.

Mais leite na queijaria

Em comparação com o ano de 2022, a queijaria está a processar mais leite, tendo registado um aumento do volume de produção.

Relativamente ao objetivo de alcançar a autossuficiência em leite de ovelha, J. Guilherme afirmou que, a longo prazo, prevê manter os produtores que já tem e outros que venham a surgir. Explicou que o objetivo é que os produtores caminhem no sentido de garantir uma produção anual e não apenas sazonal.

Continuar a certificar

Quando questionado sobre a existência de novos produtos na queijaria, José Guilherme diz que, nos últimos anos, manteve os formatos de queijo existentes, apostando na consolidação desses tamanhos. Referiu ainda que a produção de manteiga de ovelha, que tinha sido interrompida durante quatro a cinco anos devido à instabilidade na produção de leite, foi retomada no último ano. Relativamente a novos produtos, adiantou que, com a atualização do caderno de encargos do Queijo Serpa DOP, está a ser equacionada a introdução de novos tamanhos de queijo certificado. Explicou que, atualmente, apenas dois formatos estão certificados — a “merendeira”, com 200 a 250 gramas, e a “cunca”, com 800 a 900 gramas —, mas que pretende introduzir um formato intermédio, assim como certificar também o queijo Serpa DOP velho (segundo as regras do novo caderno, recentemente aprovado). Salientou que o objetivo passa por consolidar os produtos existentes e, paralelamente, certificar outros formatos que já produzem.

Os próximos 5 anos

O foco dos principais investimentos, planeados para os próximos três a cinco anos, está centrado na sustentabilidade e na circularidade dos produtos. J. Guilherme explicou que estão a trabalhar na melhoria contínua da genética dos animais e na estabilização do rebanho, considerando que a melhoria genética depende de uma cadeia de fatores e do cumprimento rigoroso de várias regras. Prevêem ainda aumentar a área coberta e disponível para os animais, para permitir o crescimento da exploração.

Por fim, destacou a necessidade de continuar a melhorar a qualidade dos solos, tornando-os ainda mais férteis, com o objetivo de aumentar a produção de alimentação própria para os animais, reforçando assim a autossuficiência e a resiliência da exploração.

Uma cadeia de trabalho interligada

Em relação aos principais critérios na escolha de fornecedores, J. Guilherme afirmou que, enquanto cliente e produtor de queijo, segue um princípio claro: tal como os seus clientes esperam um produto de qualidade, e regularidade ao longo do ano, também ele espera dos seus fornecedores essa mesma consistência no fornecimento do leite.

Explicou que o principal objetivo da alimentação dos animais é garantir uma dieta regular ao longo de todo o ano, assegurando assim uma produção de leite contínua e de qualidade — fator decisivo para o sabor e consistência do queijo final. Por isso, considera fundamental que os fornecedores mantenham uma qualidade constante nos produtos entregues, pois isso reflete-se diretamente na qualidade do produto final disponibilizado aos consumidores.

Concluiu, dizendo que tudo faz parte de uma cadeia interligada, onde o desempenho de cada elemento influencia o todo. Destacou, neste contexto, a importância de ter uma equipa de trabalho equilibrada, bem formada, com boas condições laborais, responsável e consciente das suas funções.

Associação de Produtores Queijo Serpa

J. Guilherme, atual presidente da associação de produtores do Queijo Serpa, assume que criou a exploração também para incentivar outros produtores a fazerem o mesmo: “É com muito gosto que partilho algumas informações sobre a base da produção de uma exploração. Hoje, cada um pode fazer a sua própria exploração e a sua própria produção de leite ou a própria produção de queijo de acordo com as suas ideias. Mas, há coisas muito importantes que não podemos esquecer, e uma delas é que o leite tem que estar equilibrado para dar um bom produto final. O interesse desta associação é que o Queijo Serpa, em toda a sua zona demarcada, seja produzido com as mesmas bases, para termos um produto com uma qualidade o mais uniforme possível."

J. Guilherme explicou que a Associação de Produtores Queijo Serpa foi criada em 2020 com o objetivo de defender os interesses dos produtores de leite e de queijo, bem como de atualizar o caderno de especificações do Queijo Serpa, que datava dos anos 90. Acrescentou que a associação, embora existente desde 2020, só foi reconhecida oficialmente como entidade gestora do Queijo Serpa em 2025. Referiu ainda que a associação conta atualmente com cerca de 20 sócios, entre os quais se encontram produtores de leite, produtores de queijo, elementos do Instituto Politécnico de Beja e investigadores do INIAV.

A equipa tem vindo a desenvolver vários projetos com o intuito de se aproximar do consumidor e procurar novos mercados, promover a transferência de conhecimentos para produtores (leite ou queijo), bem como facilitar a eficiência energética e a eficácia dos processos, sem perder qualidade e “personalidade” do produto final. Um dos projetos que a APS integra é promovido pelo Politécnico de Beja, em parceria com várias entidades, e tem como foco demonstrar aos produtores a viabilidade da produção de queijo utilizando energias alternativas, promovendo assim a descarbonização da indústria. Outro projeto, promovido pela APS, em parceria com o IP Beja com o apoio do Programa Promove da Fundação “la Caixa”, em colaboração com o BPI e com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), tem como objetivo final a criação de uma aplicação para monitorização das condições das câmaras de cura, com base em tecnologia de inteligência artificial. Este projeto envolve a monitorização de diversos parâmetros, tais como temperatura, velocidade do ar, humidade, análise físico-química, entre outros. Disse também que a associação está atualmente a procurar articular-se com os 16 municípios da zona demarcada para realizar o levantamento completo da produção de leite e de queijo, tanto de produtores certificados como não certificados. Ressaltou que, apesar de atualmente existirem poucos produtores a certificar enquanto DOP, a APS tem como objetivo apoiar os produtores, por forma a que o volume de certificação aumente significativamente.

Profissionalizar o sector é urgente

O proprietário da Queijaria Guilherme referiu que o setor dos ovinos tem sofrido uma regressão nos últimos anos e que, por isso, é essencial investir na melhoria da produção, na promoção do produto final e na sua divulgação a nível nacional e internacional.

Sublinhou que, enquanto o setor não for profissionalizado, não será possível garantir estabilidade na produção de leite e de queijo, o que obriga à dependência de produção externa e limita o crescimento de produtos tradicionais. Defendeu, por fim, que uma produção regular e de qualidade é fundamental para a recuperação do setor e para a afirmação do Queijo Serpa no mercado.

Dados da Exploração

Efectivo total 1200 animais
Efectivo adulto 850 animais
Empregados 6
Animais em ordenha 600
Produção anual leite 360.000 litros (proj. 2025)
Produção diária 1000 litros
Produção/ovelha/dia 1,7 litros
Tempo de ordenha 3 horas/ordenha
Qualidade do  leite GB - 7% / PB - 5.6%
Nº ovelhas/carneiro 5 (período de cobrição)
Idade ao 1º parto 14/15 meses
Queijo Serpa DOP: Tradição com a Precisão

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